(English version)
Bem, acho que faz todo o sentido fazer uma versão portuguesa, a verdade é que por muito que a tradução seja exacta, eu sei que a Mami e o Papi vão adorar perceber tudo "diretamente da fonte" e por isso acho que isto é para vocês, que nunca me puseram nenhum travão e estão sempre desse lado.
Bem, acho que faz todo o sentido fazer uma versão portuguesa, a verdade é que por muito que a tradução seja exacta, eu sei que a Mami e o Papi vão adorar perceber tudo "diretamente da fonte" e por isso acho que isto é para vocês, que nunca me puseram nenhum travão e estão sempre desse lado.
A verdade é que ainda não sinto que muita
coisa tenha mudado: os horários e o ritmo são tão parecidos com o Porto que
parece que continuo por aí. Claro que estou a viver noutro país, a
falar uma língua que mal sabia falar antes "a falar uma língua
que mal sabia falar antes", vivo com pessoas que há dois meses atrás me
eram desconhecidas, já não sou estudante... Mudou imensa coisa mas França
surpreendeu-me com a familiaridade com que me acolheu.
Normalmente, quando vivo noutro lugar, ou
até de visita, os Doors sussurram-me ao ouvido "people are strange when
you're a stranger", acho que me querem recordar que eu sou "a
outra", mas parece que desta vez optaram pelo silêncio: as pessoas não são
estranhas e eu sou cada vez menos estrangeira - não me interpretem mal, eu
aprecio bem o sentimento de ter a minha zona de conforto desafiada. E ainda
assim, não quero dizer que não estou perante uma realidade completamente
diferente, com certeza não estou no Porto, não estou em Luanda, não estou no
Sal e com mais certeza ainda não estou em Cracóvia. Clichy-sous-Bois é um
bocado a mistura de todos esses lugares e tantos outros, e provavelmente por
isso eu me sinto tanto em casa.
Ok, ainda me lembro de sentir borboletas na
barriga na primeira vez que tive que ir para o Orange Bleue, do quanto me
esforcei para parecer o mais natural possível enquanto tentava encontrar o
caminho, no mapa do meu telemóvel, de como as ruas pareciam tão estranhas e do
quanto desejei chegar ao meu destino o mais rapidamente possível. E de que o
comboio e o metro de Paris pareciam mesmo assustadores depois do pôr do sol.
Felizmente estes sentimentos duraram o tempo de uma primeira vez e os Doors
nunca mais subiram ao palco.
Mais uma vez, pelo prazer:
Explicar a razão pela qual Clichy-sous-Bois
me apaixona é um pouco difícil, fujo à tentação de utilizar uma data de clichés
que potencialmente revelariam uma imagem estereotipada da minha única e bela
cidade, e por essa razão começo pelas coisas que ela me ensinou até agora.
Uma coisa que parece ser comum entre os/as
seus/suas habitantes é o facto de gostarem de lá viver. Trabalho com crianças e
suas famílias, principalmente com as mães, e é frequente estas mulheres, que
tão gentilmente me têm acolhido com toda a paciência do mundo para compreender
o meu Francês (que agora já se assemelha a qualquer coisa de normal mas que no
início era um desastre), dizerem-me que preferem viver em Clichy do que em
Paris. As justificações prendem-se com a maior simpatia atribuída às pessoas
daqui e, na versão curta, ao facto de poderem ser elas mesmas (talvez noutro
post explore melhor esta ideia).
Uma outra coisa que parece ser comum é a
efetiva simpatia das pessoas. Durante a semana, as ruas fervilham de vida -
crianças e famílias por todo o lado, mas curiosamente poucos carros -, às
quartas e sábados há um mercado de rua, uma espécie de feira, a abarrotar de
gente, e parece que estou noutra parte do mundo, a música, os cheiros, nada se
assemelha ao que a Europa se diz ser (também é ótimo porque posso comprar a
maior parte dos produtos frescos muitos mais baratos, até mesmo do que em
Portugal).
E depois, o Orange Bleue mostra-me dia após
dia a arte de fazer as coisas com amor e paixão. Sou uma sortuda por fazer
parte de uma equipa altamente motivada, cheia de vontade de dar o melhor à
comunidade. Para além disso, acho mesmo que são ótimos/as no que fazem e estou
a aprender imenso! O centro é um conjunto de salas pré-fabricadas de alumínio,
não muito confortável, que se transformou num espaço em que cada elemento foi
pensado com cuidado para servir o melhor possível – e mais uma vez se
torna claro que boas paredes não fazem as melhores casas.
É verdade que só conheço uma pequena parte
da cidade, mas o meu testemunho vale pelo que é: uma perspetiva drasticamente
diferente das imagens e discursos que o Goolge nos devolve quando pesquisamos
sobre este lugar mágico. Os prédios estão degradados, há sem dúvida alguns
problemas relacionados com os elevados níveis de desemprego, sobretudo jovem, e
o multiculturalismo traz consigo desafios muito interessantes mas também muito
complicados mas a verdade é que é o facto de eu viver e trabalhar num sitio
onde as pessoas têm todas as cores, onde posso ouvir não sei quantas línguas
diferentes por dia, onde a maior parte do tempo não sinto que estou na Europa,
porque há uma grande predominância de comunidades africanas, do sul e do norte,
que me faz desejar ser mais, aprender o máximo e dar tudo de mim.
Francisca
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